Mesmo os leitores menos interessados no setor imobiliário ou aqueles que não estão à procura de um imóvel já devem ter se deparado com notícias sobre lançamentos de unidades de tamanhos antes inimagináveis, chegando a 9,15 m², como o empreendimento Linked Batel da incorporadora STM, em Curitiba, ou os compactos de 10 m² da Vitacon, em São Paulo. Em alguns dos encontros promovidos pela Smartus durante o ano, a questão dos microapartamentos foi debatida entre especialistas do mercado e empreendedores, geralmente com entusiasmo.
Por outro lado, na primeira semana de novembro, no Chile, em meio aos protestos por reformas estruturais no país, um grupo de estudantes se manifestou contra a redução no tamanho dos imóveis – principalmente na capital Santiago – desenhando no chão da Praça Itália quadriláteros em tamanhos reais de 17 m², para mostrar as dificuldades de se viver em um espaço tão pequeno, de acordo com os estudantes. Lá, o preço do metro quadrado chega a R$ 19,5 mil, de acordo com o portal El Desconcierto.
Voltando à realidade brasileira, cabe a reflexão: a existência de imóveis cada vez menores é para atender a uma demanda real ou se trata de uma imposição do mercado?
De acordo com o sócio da BRAIN Inteligência de Mercado, Guilherme Werner, em todas as pesquisas realizadas pela empresa junto ao público millennial e cosmopolita, existe a tendência da busca por imóveis menores por conta das mudanças geracionais e demográficas, aliadas à questão da mobilidade. Werner ilustra que a quantidade média de habitantes por domicílio vem reduzindo gradativamente desde o início dos anos 1990, passando de 4,7 para 3 em 2020, segundo previsão do IBGE para o próximo censo demográfico.
“Não acho que todo mundo queira morar em 20 m² ou 30 m², mas boa parte, se pudesse, moraria no Itaim Bibi ou nos Jardins”, destaca Werner sobre a localização desse tipo de empreendimento. “Um terreno na Vila Olímpia custa muito mais do que o mesmo terreno no Tatuapé ou fora do eixo financeiro da cidade [de São Paulo]. Sem dúvida, o percentual que o terreno representa no VGV (valor geral de vendas) aumenta, e para fechar essa conta é óbvio que o empreendedor também eleva o preço do metro quadrado”, explica o especialista.
Para ele, o objetivo central das incorporadoras não é ampliar a margem de lucro, mas atender a essa demanda formada por consumidores mais jovens e habituados a viver em regiões centralizadas, próximas da oferta de emprego, conveniência e serviços. “Pode haver casos em que o empreendedor reduz o tamanho do imóvel para carregar mais no metro quadrado. Ao invés de vender um imóvel de 100 m² a R$ 10 mil/m², que daria R$ 1 milhão, pode vender um de 35 m² a R$ 14 mil/m² – o ticket total é mais barato”, exemplifica. Neste caso, aumenta-se o valor agregado do empreendimento.
O especialista chama atenção para a tecnologia como propulsora dessa nova realidade:
“Antes, a TV de tubo de 29 polegadas ocupava um espaço gigantesco; hoje, uma [TV maior] de LED não ocupa espaço. Os próprios móveis estão mais compactos, a indústria do eletroportátil faz com que a necessidade de espaço diminua”. Werner cita como outros fatores a inserção da mulher no mercado de trabalho e a redução de custos com serviços domésticos – diaristas e cozinheiras, por exemplo.
Curitiba e principalmente São Paulo estão na vanguarda desse movimento, mas outras capitais iniciam projetos semelhantes, como o Rio de Janeiro, onde o novo Código de Obras permite a construção de unidades de 25 m² (metragem mínima).
O especialista Guilherme Werner pondera que essa dinâmica é restrita a poucas cidades – notadamente as maiores: “Se o empreendedor for para o interior e fizer isso, mesmo em uma cidade desenvolvida, como Ribeirão Preto, por exemplo, pode sofrer. Se for para uma capital mais conservadora, onde as questões de mobilidade ainda não são tão perceptíveis, também pode sofrer”.