A nova queda da taxa Selic, desta vez de 0,75 ponto percentual, surpreendendo a maior parte do mercado e levando os juros brasileiros para o patamar de 3% ao ano, aumenta o desafio do investidor. Com as aplicações mais conservadoras rendendo tão pouco e diante de preocupações latentes acerca da pandemia de coronavírus, onde buscar retornos atrativos com riscos “administráveis”?
De um lado, há uma parcela do mercado que defende a alocação na Bolsa brasileira, apostando em companhias menos endividadas, com negócios mais sólidos e com melhor preparo para sair da crise. Há também quem veja mais oportunidade em destinar cada vez mais recurso para o exterior, principalmente para o mercado americano, de olho em uma saída do contexto atual mais rápida que outros países. Alguns dos gestores de fundos multimercados mais renomados do Brasil têm recorrido a essa estratégia em suas carteiras.
E há um grupo receoso com o futuro da economia brasileira e mais cauteloso com seus investimentos, que prefere reservar mais recursos em caixa, com menor exposição à renda variável. A SPX, de Rogério Xavier, disse em sua última carta a cotistas que seguia com posições reduzidas em juros e sem alocações direcionais relevantes na Bolsa brasileira.
Arminio Fraga, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos, passou uma visão mais cautelosa sobre uma retomada do mercado:
“No momento, tenho mais medo de uma pernada para baixo do que de perder uma grande virada”, disse, em relação à Bolsa, admitindo que a visão está sujeita a erros.
Não há saída fácil em momentos de crise e olhar para os rendimentos da renda fixa não ajuda. Com a Selic agora em 3%, uma aplicação que renda 100% do CDI entregará em um ano retorno líquido (descontado o Imposto de Renda) de apenas 2,48%.
Confira a seguir como R$ 10 mil renderiam hoje ao longo dos próximos 12 meses, considerando dois cenários para a Selic: a 3% ou 2,75% ao ano.
Uma pesquisa elaborada pela equipe de fundos da XP na terça-feira (05/05) com 30 gestores de fundos de estratégia multimercado macro revela apostas a favor da queda de juros com prazos de vencimentos curtos e em compra de dólar – seja como um aposta direcional ou como um elemento de proteção para o fundo – como as posições predominantes nos portfólios.
Segundo o levantamento, a compra de Bolsa, tida como a posição mais comum entre os fundos no começo do ano, tem hoje menor representatividade nas carteiras.
Maior foco no exterior
Apesar de ainda ver oportunidades na Bolsa brasileira, o ambiente de enfraquecimento da economia doméstica e de crise política, levantando dúvidas sobre o potencial das reformas pós-coronavírus, faz com que Felipe Dexheimer, coordenador de alocação da XP Investimentos, se sinta mais confortável em apostar as fichas no mercado internacional, em especial o americano.
“Além de estarmos mais preocupados com o risco político brasileiro, pela primeira vez nos últimos cinco anos – que é o tempo em que o brasileiro ficou órfão do CDI alto –, o investidor que saiu do CDI tem a chance de comprar ativos fora do Brasil a preços interessantes”, afirma.
Nos portfólios de perfil agressivo da XP, por exemplo, 22,5% da carteira do investidor estão alocados em Bolsa brasileira e 12%, em bolsa global. Em janeiro, os percentuais eram de 30% e 5%, respectivamente. Para diversificar o portfólio na cena externa, o investidor pode optar por fundos com exposição internacional, bem como por ETFs (fundos de índice) como SPXI11 e IVVB11, ambos expostos à bolsa americana, diz Dexheimer.
Na renda fixa, a preferência recai sobre ativos de crédito privado que, segundo ele, oferecem oportunidade para capturar “prêmios gordos”. É, preciso, contudo, ficar ciente da volatilidade.
“A flutuação dos papéis de crédito privado veio para ficar. No passado, tinha pouca negociação no mercado secundário, mas hoje os preços flutuam o tempo todo, então o investidor vai ter que se acostumar com uma maior volatilidade nos fundos de crédito, que antes eram bem ‘reloginho’”, afirma.
O coordenador de alocação da XP assinala que os prêmios de crédito “high grade” (maior qualidade de crédito e menor risco) estão na casa do CDI mais 3%, o que ele considera como atrativo, dado o atual patamar da Selic. A proteção contra a inflação também pode ser feita via crédito, como debêntures de infraestrutura, diz Dexheimer, que pagam hoje cerca de 4,5% ou 5% mais inflação, isento de Imposto de Renda para pessoa física.
O aumento de risco no portfólio, embora fundamental em um cenário de juros no piso histórico, deve ser feito com parcimônia e em parcelas, ressalva Dexheimer, ao longo de três a cinco meses, dada a falta de visibilidade do cenário.
Já Adriano Cantreva, sócio da Portofino Investimentos, conta que a gestora de patrimônio tem promovido poucas alterações, apenas para reequilibrar as carteiras após a forte movimentação dos mercados com a crise do coronavírus:
“Fizemos um ajuste tático mais de curto prazo, mas, na parte de longo prazo, mudamos o mínimo possível.”
Durante o mês de abril, houve um trabalho de recomposição da parcela de risco das carteiras, dada a queda dos ativos de renda variável, e um aumento da fatia em bolsa americana. A visão é semelhante à de Dexheimer, diante dos fatores de risco implícitos no Brasil, com a crise econômica e também política. A alocação no mercado americano tem se dado via índice, porém com proteção cambial.
Juros reais atrativos
Na parte de renda fixa, a gestora buscou aumentar um pouco a parcela dos portfólios em juros reais, isto é, papéis como o Tesouro IPCA+ com vencimentos como 2026 e 2035. E houve ainda uma busca por operações de crédito privado de vencimentos mais curtos, como da Energisa, com uma operação de um ano com CDI mais 3,80%.
O investidor mais conservador, sem “perfil” de Bolsa, pode optar por alongar o prazo dos investimentos em renda fixa, diz Rodrigo Marcatti, sócio-fundador do escritório de investimentos Veedha. O executivo lembra que, em março, muitos fundos de crédito privado sofreram resgates e, por conta disso, diversos papéis de primeira linha estão com os preços desajustados.
“O investidor consegue adquirir hoje uma letra financeira de um banco grande, como Bradesco ou Itaú, com prazo de dois anos, pagando mais de 120% do CDI, o que é fora do padrão para esse tipo de risco”, afirma.
Marcatti lembra ainda que muitos fundos multimercado de gestoras renomadas reabriram para captação, o que pode ser uma oportunidade para o investidor com caixa e que estuda uma realocação de capital.
Via Infomoney